O que pensam os bebês?
- André Botinha

- há 4 dias
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Este texto foi inspirado na palestra TED de Alison Gopnik, “What do babies think?” (“O que pensam os bebês?”).
Por muito tempo, a psicologia descreveu o bebê como um ser ilógico, incapaz de entender causa e efeito ou de imaginar o que se passa na cabeça de outra pessoa. Uma espécie de “adulto” em miniatura, esperando o amadurecimento.
No fim do século XIX, William James descreveu a experiência inicial do bebê como: “uma grande confusão borbulhante e zumbidora”. E boa parte do século XX foi marcada pela leitura de que a criança pequena pensava de modo fundamentalmente diferente do adulto, num nível inferior, pré-lógico e irracional. Mas me recuso a acreditar que em qualquer época da humanidade, ou mesmo da pré-histórias, as mães, de forma geral, tenham pensado assim.
Nas últimas décadas, porém, mesmo a ciência, virou esse quadro de cabeça para baixo. A imagem que começa a surgir é quase oposta: bebês e crianças pequenas não apenas entendem muito mais do que imaginávamos, como aprendem em uma velocidade que nenhum adulto acompanha. Em alguns aspectos, pensam como os cientistas mais brilhantes.
Se olharmos de fora, o bebê humano parece um equívoco evolutivo. É frágil, depende de cuidado constante por anos, exige tempo, energia, noites em claro. Outras espécies resolvem isso muito mais rápido: alguns filhotes andam, comem sozinhos e se tornam independentes com poucas semanas de vida.
Por que, então, passamos tanto tempo cuidando de nossos bebês?
A resposta, como mostra Gopnik, está na infância longa. Quando comparamos diferentes espécies, aparece um padrão interessante: quanto mais longo o período de dependência, maior costuma ser o cérebro em relação ao corpo e maior a capacidade de aprendizado e flexibilidade.
Alguns animais são quase perfeitos para uma única tarefa em um único ambiente. Outros — como certos pássaros, primatas e nós, humanos — não nascem capazes de sobreviver de forma autônoma em um local específico, mas têm uma capacidade impressionante de se encaixar em ambientes variados.
Nós estamos no extremo dessa curva: cérebros grandes, enormes possibilidades de adaptação… e filhotes que dependem de nós por décadas. É como se a evolução tivesse feito um acordo: “Eu te dou um cérebro extremamente plástico, curioso, criativo — mas, em troca, você vai precisar de muito tempo protegido para aprender antes de enfrentar os desafios da vida”.
Nesse arranjo, bebês e crianças pequenas são o departamento de pesquisa e desenvolvimento da espécie humana. Eles exploram, testam, erram, repetem, fazem perguntas sem parar. Nós, adultos, somos mais “produção e logística”: pegamos esse arsenal de aprendizagens e tentamos colocá-las em prática no mundo de forma organizada.
Brócolis, biscoito e a descoberta do outro
Um dos exemplos mais bonitos trazidos pela Gopnik é o famoso “experimento do brócolis”. De forma simples, ele mostra algo profundo: por volta de 18 meses, muitos bebês já são capazes de perceber que outra pessoa pode querer algo diferente deles — e ainda assim tentam ajudá-la a conseguir o que querem.
Em resumo, o experimento funciona assim: o bebê prova dois alimentos (por exemplo, biscoito e brócolis) e deixa claro que prefere o biscoito. Em seguida, o adulto finge preferir justamente o brócolis, elogindo seu sabor, e pede: “Você pode me dar um pouco?”. Os bebês maiores, por volta de 18 meses, tendo os brócolis e biscoitos à sua frente, tendem a oferecer o brócolis — isto é, aquilo que o adulto demonstrou querer, não o que eles próprios preferem.
Em poucos meses, as crianças aprendem um fato decisivo sobre a natureza humana: “O outro pode não querer o mesmo que eu — e eu posso agir para ajudá-lo a conseguir o que deseja.” Está aí, em miniatura, a semente da empatia.
Brincar é fazer ciência
Outro conjunto de estudos mostra algo que qualquer mãe ou pai já percebeu no dia a dia: crianças pequenas fazem experimentos o tempo todo.
Em laboratório, isso é mostrado com máquinas que acendem ou tocam música quando certos objetos são colocados sobre elas. A criança recebe pistas de qual bloco liga a máquina, qual não liga, e precisa descobrir “a regra”. O que ela faz? Testa hipóteses, muda o bloco de lugar, combina objetos, tenta de novo, se frustra, insiste.
O que chamamos de “mexer em tudo” é, muitas vezes, um programa de pesquisa em andamento. A brincadeira é o laboratório onde o cérebro infantil testa o mundo.
Holofote e lanterna: duas formas de consciência
Aqui entra um ponto que toca diretamente a experiência dos pais: a atenção. Nós, adultos, funcionamos mais como um holofote: escolhemos um ponto, focamos nele, deixamos o resto na penumbra. Isso é ótimo para trabalhar, atravessar a rua, responder e-mails. O preço é que uma boa parte do mundo sai do nosso campo de consciência.
Bebês e crianças pequenas se parecem mais com uma lanterna: a luz se espalha, alcança muitos estímulos ao mesmo tempo. Eles são “ruins” em focar numa única coisa — mas são muito bons em não deixar escapar nada que pareça interessante.
Quando dizemos que uma criança “não presta atenção em nada”, na prática, estamos dizendo que ela presta atenção em tudo. E isso não é um prejuízo: é uma forma de consciência ajustada ao aprendizado.
Gopnik faz uma comparação bonita: se quisermos, como adultos, experimentar um pouco dessa consciência de infância, basta lembrar de certas experiências-limite — a primeira vez que nos apaixonamos, ou a sensação de estar em uma cidade totalmente nova, em uma viagem.
De repente, tudo fica mais vivo: cores, cheiros, sons, pequenos detalhes. Uma semana de férias parece mais cheia de vida do que meses de rotina automática. É uma espécie de viver em parte como as crianças vivem: o mundo volta a ter seu encantamento, sua capacidade de deslumbramento.
E o que isso tem a ver com parentalidade?
Talvez um dos maiores presentes da parentalidade seja conviver diariamente com um ser que ainda vê tudo pela primeira vez. Para nós, mães e pais, que tememos “atrapalhar” o processo natural das coisas ou “não ser suficientes”, a ciência que Gopnik apresenta nos lembra de algo libertador: o bebê vem ao mundo com uma potência de aprendizado imensa — e a nossa tarefa principal é contribuir com um ambiente em que essa curiosidade possa florescer.
Isso envolve colo, segurança, previsibilidade, mas também espaço para brincar, mexer, testar, explorar. E talvez envolva algo a mais: uma certa coragem de, de vez em quando, deixar que a lanterna da criança ilumine também os nossos caminhos.
Porque crescer é, inevitavelmente, estreitar o foco. Mas cuidar de uma criança pode ser a chance de sentir o mundo como algo novo de novo. De olhar o mundo com olhos menos cansados e mais curiosos. De lembrar que, por trás de toda a rotina e a responsabilidade, ainda existe algo que só o olhar de um bebê é capaz de nos devolver: a sensação de que estar vivo é, em si, deslumbrante.
Referências Bibliográficas:
Gopnik A. What do babies think? [Internet]. TED; 2011 [citado 2025 nov 15]. Disponível em: https://www.ted.com/talks/alison_gopnik_what_do_babies_think
Repacholi BM, Gopnik A. Early reasoning about desires: Evidence from 14- and 18-month-olds. Dev Psychol. 1997;33(1):12-21.
Kushnir T, Gopnik A. Young children infer causal strength from probabilities and interventions. Psychol Sci. 2005;16(9):678-83.
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Gopnik A, Glymour C, Sobel DM, Schulz LE, Kushnir T, Danks D. A theory of causal learning in children: Causal maps and Bayes nets. Psychol Rev. 2004;111(1):3-32.




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